domingo, 7 de setembro de 2008

CENA FINAL: ELÍPSE

É necessário sentar só na platéia e refletir sobre meu trabalho teórico-prático-criativo, como artista docente quanto a relação do teatro em seu contexto de origem ¾ o jogo ¾ e a dança, desenho cinético: o desafio transformou-se de hipótese inicial, apoiada nos mestres, em particular forma de conceber o teatro: a cada um o seu, a cada espaço um novo teatro, a cada grupo e pessoa a corporificação do medo, do desejo, e a mágica vertigem de transformar o invisível: Antropomágico. No entanto, teatro e dança, em nível de arte contemporânea é apenas a presença de idéias que se sofisticaram sempre em direção e obsessão da “originalidade” ¾ no fazer do espetáculo.
O corpo é nascente de conhecimento e mesmo articulador deste. Não existe um igual ao outro, não existe então um resultado teatral ou coreográfico igual se tomamos a relação entre arte e homem como determinação. Ao contrário tudo será precisamente igual se apenas o produto é o ponto de partida e chegada. A uniformidade é possível, pois a tecnologia p.exp. em função da arte do corpo é corpo virtual, apontando o novo corpo idealizado, mas entretanto a desigualdade mostra a vida na sua imperfeição orgânica que se manifesta e reequilibrar para manter-se vivo, e toda arte que vier para deixar evidente este “natural” da condição humana supera os limites aparentes ¾ demonstra o que é ¾ torna-se também experiência vital do artista.
Durante estes anos de investigação quando chegamos aos limites da demonstração clara de “ser humano”, e rejeitamos a idealização da forma na sua cristalização estilística fosse qual fosse, moderna, expressiva, clássica, alguém esbravejava:
“Onde é que você quer chegar?” “Isto está muito confuso; por que não fixar resultados e reproduzi-los?” “Mas por que começar por um laboratório?” “Laboratório é processo longo e não dá em nada.” “Mas quem é que vai querer comprar isto (a linguagem não é exatamente esta)”. “O público não deve chegar muito perto”. “Onde estão as cortinas?”.
Outras informações como estas revelam a certeza de que a “inocência não foi perdida”, pois é necessário fazer de conta que só ela é bela.
Optamos por trabalhar sempre em contexto dramatúrgico e pré-dramatúrgico, portanto mesmo que não estivéssemos destinados a uma demonstração de resultado o fato cênico estava presente. Com esta abordagem negamos a dicotomia entre exercício técnico e criação, por outro lado abrimos um campo sem limites de problemas para a criação cênico-dramática e coreográfica, reforçando que o exercício técnico quando reflexo de estilo é limitador.
Transformar o lúdico “infantil” em lúdico teatral questionou a capacidade do ator de ser ator, disciplinado, organizado em grupo, capaz de admitir o teatro como arte coletiva e singular. Por outro lado questionou a criadora ¾ diretora ¾ no sentido de tê-la “reduzido” a uma figura que recriava o texto a partir do apresentado pelo ator e pelo dramaturgo inicial ¾ Brecht ¾ resultando em superposições de significados, ironia e alegoria cujo centro convergente é o próprio teatro, o ator, o diretor, o corpo, a cena. Atingimos um teatro ¾ O ANTROMÁGICO ¾ crítica ao próprio teatro, servindo-se dele esperando ultrapassar as medidas convencionais. Assim, esbarramos no espaço com outra questão: o que “produz” este teatro fundado nos vértices encontrados? O Gesto Relacional Ampliado e a Coreodramaturgia falarão do que? A minha questão, hoje, compreendendo melhor, não era reescrever Brecht mas entender a especificidade do fenômeno cênico, Teatro-Dança, tendo como meio a criação e não o estudo crítico-teórico. Minha Teatrografia demonstra a clareza, do que intuía o que hoje se concretiza com o “Círculo do Fogo”.
Através do objetivo inicial ¾ releitura de Brecht na descoberta do gesto-gestus ¾ negamos obediência a idéias e idéias que se ocultam sob as técnicas codificadas do teatro e outras do território da dança. Sem dúvida que a dança propicia em maior grau a permanência de técnicas codificadas, dado o seu caráter de organização cinética objetiva e o teatro de forma reduzida pois este se situa num campo comportamental ¾ sócio-cultural de matrizes abstratas. Porém, métodos teatrais podem alcançar negativamente um certo caráter de técnicas codificadas onde se enquadrariam determinadas vontades, ideologias, compromissos, desejo estético, e pensar político. Assim morreria a idéia de a cada espaço seu teatro e a cada ser humano uma representação nossa idéia central. A proposta possibilitou também uma reflexão e uma nova prática de preparo para o jogo a que chamamos de Gesto Relacional Ampliado que reexamina a preparação do ator e se distancia do estereótipo: de um lado a técnica e do outro a não técnica confundida com o deixa fazer “espontaneamente”, porque em “improvisação” não se toca.
O ato de obediência a instituição teatral é também questionada quando montamos este método e não se parece em nada aos tradicionais exercícios consagrados por várias escolas ( Stanslavsky, Meyerhold, Barba, Boal, Decroux) como também desconsidera a hierarquia de “começamos pelo aquecimento do ator dançarino, passamos pelos exercícios de preparação e finalmente chegamos ao texto dramatúrgico, após uma detida análise de mesa, método evolutivo de causa e efeito um dependendo do outro para existir do ponto de vista pedagógico. No entanto as experiências passadas influenciaram.
Nenhum de nós na vida cotidiana é uma sucessão de pequenos encaixes mecânicos, menos ainda os atores-dançarinos que devem mexer com a vida. Portanto o método montado terá um efeito orgânico diverso: o território é aquele do primitivo (primeiro) origem do teatro: o Jogo Arcáico / Jogo Dramático - Coreodramaturgia / Gesto Relacional Ampliado / COREODRAMA-TURGIA. Reorga-nizar a origem, liberando espaços interditados pela tradição européia a partir do Renascimento, que disciplina a dança - arte e faz do teatro o orgulho dos cultos. estes mesmos cultos que academicamente dizem que jogo dramático não é teatro porque não é Jogo cênico. Isto é o mesmo que dizer: crianças não fazem teatro, lavradores que criam e recriam o Bumba Meu Boi não fazem teatro, Maracatu não é teatro; Escola de Samba não faz teatro faz só desfile, e um sem fim de exemplos. Este discurso é legitimado por categorias que permitem analisar, classificar, enquadrar, rotular, vender mas que pervertem seu próprio sentido. Digo que pervertem o seu próprio sentido porque matam, anulam o fenômeno teatral reduzindo-o a conveniências inclusive de classe (demonstra a história deste trabalho) rejeitando a necessariedade humana.
No memorial de Berliner Ensemble organizado em função de resgatar o modo de processar o teatro de Bertold Brecht (Meldolesi e Olivi, 1989) lê-se: “Quando dirige parece que Brecht esquece ser o autor do texto. Não tem idéia pré construída e não utiliza de anotações, parece que não conhece o texto de memória. Frequentemente se tem a impressão que vê o texto pela primeira vez. De fato confunde os atos e a cada ensaio ri de uma idéia engraçada que venha de um ator ou de uma expressão arguta do texto. Se diverte ainda quando a mesma expressão é repetida. Às vezes se surpreende diante de certos acontecimentos do texto ou faz com que se explique os pontos pouco claros do texto”
Entendemos que Brecht se abria ao jogo como atitude mental e fazer artístico, aquela que permite desprezar as convenções estabelecidas, se em cena deva estar a realidade transfigurada, aquela que permite a critica pelo distanciamento.

res para o teatro que tem na teatralidade do homem a sua base, e origem. Nossa finalidade já manifestada em pega Teatro (Lopes, 1981) é fazer um teatro, baseado no jogo: dramaturgia, atuação, visualidade cênica, musicalidade, linguagem verbal, todos elementos construtivos da cena do jogo teatral.
Não desejavamos adaptar o teatro do nosso paradigma cultural, consequência da ocupação de outros povos, à necessária reteatralização que objetivo. Segui outros critérios e paradigmas culturais presentes também na minha cultura, não considerados teatro. O jogo não é só manifestação do espontâneo, auto - gerado, arcaica manifestação de todos, mas também algo que se aprende, aperfeiçoamos regras, utilizamos para experimentar nossa história remota, infinitas gamas de emoção necessária a felicidade momentânea e histórica. Assim é o teatro como jogo lugar de onde se vê. Não é difícil constatar a existência da associação de Jogo Dramático e Jogo Arcaico quando nos damos conta de que o teatro é feito do ator de dramatização (Duvignaud, 1966)(1) que não é motivado apenas do exterior, por exemplo através do texto dramatúrgico, mas é, como o jogo, um espaço onde o tempo e o contorno cotidiano rompidos fazem presente outra dimensão. Teatralidade e Jogo tornaram-se protagonistas ao longo da investigação, ambos redimensionados pelos processos da reteatralização, esta maneira vista por cada artista singularmente.


_______________________________
(1) Jean Duvignaud em Sociologia do Teatro, à pág. 11 da Introdução constata que “não é difícil encontrar formas de teatralização que poderíamos chamar de “espontâneas”: as danças através das quais os índios Zunis colocam em cena as Katchinas, repetindo deste modo a criação do mundo e da sociedade Pueblo; a celebração do Candomblé na Bahia ou o Vudu na América Central; as danças xamânicas na Sibéria ou as festas que acompanham a Kula nas ilhas do pacífico setentrional também são atos de dramatização; nelas se representam carnalmente os símbolos que representam a coerência da sociedade e a inamovibilidade de uma época que escapa a história”.
Em cena redimensionando o fenômeno da reteatralização segundo nossa criatividade e referência histórica ¾ remota e atual ¾ tivemos duas categorias do jogos ¾ Arcaico e Dramáticos permeados pelo linguajar dramático de ator-atuante, conduzido por ele e pelo diretor da cena. No jogo dramático de caráter espontâneo está presente o jogo arcaico ou a “inamovibilidade” de época que escapa a história e por outro lado a coerência social presente com seus símbolos. A fusão destas manifestações é chamada por mim de ANTROPOMÁGICA: o que e o como fazer teatro.
O jogo arcaico aqui tomado como conteúdo e também como forma a ser recriada pelo teatro -arte de uma pessoa, singularmente, tem regras e categorias: Ilinx, Alea, Minicry, Agon (Caillois, 1981). Contudo não serão apenas aqueles jogos considerado Mimicry - mimesis - que nos interessaram. Todos os outros foram na nossa obra conteúdos para elaborar o espaço - conflito, não apenas em nível de uma topologia espacial mas como transmissor da forma de conflito aqui tomado como primeira forma dramatúrgica ou aquela que é desencadeadora. Um jogo que traz em si Ilinx ¾ p. exp. os currupios ¾ é visto no jogo dramático, p. exp. no candomblé o girar das mães e filhas de santo. Assim, associamos as categorias mencionadas em função de algo que criamos: nosso jogo arte - dramático que é agonístico, mimético, imprevisível nos seus aspectos improvisacionais, e vertiginoso.

_______________________________
(2) “Após um exame das diversas possibilidades proporei para o objetivo uma subdivisão em quatro categorias principais segundo os papéis que neles ocupa a competição; sorte; simulacro; ou vertigem. Chamei-os respectivamente Agon, Alea, Mimicry Ilinx. Todas quatro pertencem inteiramente ao território do jogo: se joga futebol, basket (Agon), loteria, jogo de bicho (Alea) papéis de pirata ou Hamlet (Mimicry) nos divertimentos de giro ou queda, alterações orgânicas que levam até ao desmaio (Ilinx)? (T.A.).
O jogo dramático espontâneo estudado no segundo capítulo de Pega Teatro é apresentado como linguagem em evolução direcionada à comunicação, porém com particularidade dramática. (Lopes, 1981, págs. - 59 a 99)(3).
O mundo do imaginário e da cena imaginada é substituída, como relatamos, por um realismo cênico que tem como paradgma o modelo
cultural do teatro ocidental ¾ de palco platéia ¾ no momento em que o atuante sente que está falando teatralmente. Ele se comunica com prazer com as pessoas que vêm (teatro ¾ lugar de onde se vê e se é visto) através deste meio que de espontâneo e improvisado passa a ser exigido no limite da construção e da precisão semântica.
Observando a revelação do atuante ¾ ator existente no jogo dramático de linguagem evolutiva, verificamos a necessidade de interferir na medida em que a comunicação com o outro passasse a ser exigência do próprio ator atuante (sem limite de idade). Com quais instrumentos?
Mantendo progressivamente o núcleo básico de nossa antiga investigação reafirmamos que os caminhos e descaminhos desta investigação teatral destinam-se sempre a construção poética do artista ¾ eu e o outro. Não posso deixar de compreender que os processos utilizados são amplamente educativos enquanto criação de soluções do conhecimento e para o conhecimento.


_______________________________
(4) “No segundo capítulo de Pega Teatro ¾ Somos Todos Atuantes Alguns Serão Atores de Profissão ¾ citamos Carlos Drummond de Andrade porque: “A todo instante sinto que há vários senão muito outros em mim, se bem que nenhum deles seja o tal outro que costuma dizer coisas repetidas por outros. Também não ignoro que outros me acham o outro, que em qualquer lugar, situação ou momento sou sempre o outro dos outros”. N a sequência do capítulo enfatizamos em relação ao afirmado por Drummond, demonstramos nossa observação sobre o como, quando, onde, o que se dá no Jogo Dramático espontâneo, que “a decodificação das fases do jogo dramático tem ampliação na nossa forma de propô-lo porque partimos da realidade e das particularidades do processo de evolução criativa”.
Quando falamos do realismo (Lopes, Revista de Teatro, 1975)(4) estamos já anunciando que a partir desta etapa o espontâneo deve transmitir suas qualidades de jogo para um outro jogo que se construirá a partir do ator-autor, jogo mais complexo que será assistido e reconhecido como teatro.

Correlacionando as fases de evolução do linguajar dramático com as categorias descritas por Caillois encontramos na realidade a seguinte composição:
Na fase do Fundo de Quintal o espírito do jogo é dominado pela Mimicry ¾ mímesis ¾ mas será Agon que “empurra” a brincadeira dramatizada (encontra-se esta manifestação em crianças pré-escolares e em atores ainda com esquemas elementares de representação cênica).
Na outra fase que denominamos Faz de Conta continua sendo Mimicry o dominante, mas Alea (a sorte) “empurra” a ação, o personagem, as soluções cênicas: catástrofes, sustos, terrores, sorte ou não no jogo da vida. No Faz de Conta alto o fazer “teatrinho” já está presente e assim chega a vertigem (Ilinx) que não pode ser tomada apenas no nível da topologia do movimento como citamos o currupio, mas algo que altera o estado de consciência.
Continuando na sequência das fases de linguagem dramática manifestada através do jogo dramático espontâneo, o Realismo (não temos como estilo, mas como estrutura de comunicação simbólica) irá se relacionar com todas as categorias de Caillois, segundo a escolha do poeta interessado em dinâmicas

_______________________________
(4) “Agora a realidade e o teatro ¾ metamorfose ¾ dissociam-se, desdobram-se em duas possibilidades de manifestação das relações vitais. O jogo dramático tem em si mesmo a finalidade e a essa o atuante deve responder com sua criatividades. Teatro e vida social trabalham juntos, concorrendo um com o outro, numa espécie de rivalidade integradora favorável ao crescimento atuante que, com consciência de si e do meio de comunicação, gera sua liberdade de criação particularmente na linguagem dramática. O jogo representa os esforços do grupo para desenvolver uma linguagem entendível e assistível.”
diversas do movimento, conteúdos dinâmicos no espaço da cena ¾ ação dramática ¾ fato dramatúrgico.


O Gesto-Gestus
A preparação corporal do ator e do dançarino no sentido do ato dramatúrgico é através da expressão dramática: do ator para o texto. Neste sentido não consideramos uma preparação para o ator e outra para o dançarino ¾ ambos necessitam do gesto para dizer ¾ ambos devem ter consciência do movimento para utilizá-lo tanto no nível cinético como metacinético.
O que relaciona a preparação corporal do ator-dançarino e vice-versa é o gesto: movimento significativo, unidade semântica.
Preparação para o gesto é o que nos interessou independentemente da linguagem onde será usado.
A liberdade que objetivo não restringe o teatro ao gênero de literatura dramática mas fato cênico a partir do jogo do ator. Ela leva a desrespeitar a organização disciplinar acadêmica substituindo-a pela imaginação que leva a soluções antes não experimentadas: indisciplina do imaginário.
Finalizando com este modelo de ateliê para atores-dançarinos penso que ao longo deste trabalho foi possível perceber a necessidade de construir formas de agir para um novo teatro que a cada pessoa é um apesar de um núcleo comum. Neste sentido os modos de agir do diretor, pedagogo, aliam-se ao papel do ator na medida em que deve oferecer a este material de criação que o levem a interpretação dos acontecimentos em dois níveis: pré-dramatúrgico e dramatúrgico: Fato antes da cena: - Corpo na primeira natureza: a sua;
- Jogo Dramático: expressão espontânea;
- Jogo Arcaico: memória cultural lúdica.

Fato na cena: - Corpo em segunda natureza: o corpo cênico;
- Jogo Dramático: expressão artística construída;
- Jogo Arcaico: memória remota re elaborada.

Esta investigação foi concebida como proposta de prática artística no nível da dramaturgia. Os modos de agir independentemente da dramaturgia foram se revelando ao longo do caminho, fundindo-se com a própria proposição de construção do fato cênico ¾ dramaturgia. Assim, propusemos processos artísticos que não romperam com o princípio de reteatralização, mas que o valorizaram. Neste sentido realizamos um trabalho que ao ser artístico o foi também educacional embora não atenda à regras pedagógicas convencionais.
Vivemos o teatro que não foi mais do que teatro porque ainda não o era. E ¾ pensamos ¾fizemos aflorar suas raízes enterradas no solo de velhas convenções teatrais tanto na platéia como no palco rompendo o pré-estabelecido como a única verdade, aquela que afirma um só teatro, um estilo, um só ator, um só dramaturgo, uma só platéia um só espaço cênico.
Durante o processo de investigação-ensino fomos gratificados pela imensa alegria dos atores ao descobrirem que a improvisação não era o único instrumento de auto conhecimento de suas reações e espaços, mas que o jogo oferecia na quarta dimensão do imaginário a reconstrução, reconstrução corpórea e, redimensão teatral de um linguajar dramático.
Por outro lado, e como resultado dramatúrgico, o encontro da Coreodramaturgia instrumentalizou-me formalmente para escrever uma peça teatral que a partir de sua notação coreológica em parceria com a palavra fosse não apenas um produto artístico paralisado na autoria cênica mas possível de transmissão a outros diretores e atores.
A contribuição teatral desejada a partir daqui é aquela que permitirá ver no teatro modo de vida, desde que foi o teatro que discutimos no trajeto, e ao concluir o caminho, por hora, aprendemos que a sucessão de cenas que acontecem já não existe mais e é naturalmente verdadeiro o recomeço da cena.


O CORPO CÊNICO E A COREODRAMATURGIA: TEATRODANÇA

O corpo entra e sai de cena, como se vê pássaros no céu. Sempre existem, mas nem sempre são visíveis. Em cena o corpo é a morada de almas diferentes: no corpo de personagens dessemelhantes, fora de cena ele pode caminhar com uma entre elas. Num mesmo personagem, em cena, vários são os corpos necessários. A necessariedade do corpo em cena transforma o corpo simples em corpo cênico. O corpo não é mais um substantivo ele é algo que flutua entre ser substantivo e estar sendo adjetivo. Estar sendo é a convicção que o corpo cênico tem para não se deixar cristalizar por mais bela que possa ser a visão de um corpo único através do prisma do cristal. Somente a certeza do corpo carne-matéria em composição e decomposição permite ao ator transitar entre a vida e a morte em confronto com a perenidade dos cristais. O ator potencialmente somos todos nós, mas quem deseja estar sendo múltiplo, transexual, ladrão, imperador, santo, pálida figura, herói, anti-herói, pai de família ou dona de casa, professor, médico, cigarra e formiga..., lobo e cordeiro... Macbeth, Ofélia, Otelo, Antigona, Hamlet, Medéia, Édipo?... Quem deseja o corpo cênico?
O ator deseja o corpo cênico e a cena determina a sua necessariedade a começar pelo andar. Atravessar a cena na diagonal com um ponto de vista, esgotando-o ao limite da possibilidade estrutural do corpo é submetê-lo ao corpo cênico. Existe? Como existe? O ponto de vista é igual ao olhar de um espectador que observa na medida do deslocamento... o corpo cênico vai sendo transformado pelo ator e pelo seu espectador. Andar e olhar... olhar e andar extremos de uma linha tempo que é apenas um segmento do espaço.
O abandono do corpo cênico é a morte em cena, bela passagem que sós aqueles que falhando na avaliação de seus poderes mortais, tentaram romper o limite de sua própria finitude traindo os deuses ao morrer em cena de verdade para na memória serem guardados como deuses envoltos na nudez primeira do corpo. São corpos cênicos numa cena mais ampla, onde um altar foi construído desde o primeiro momento da chegada para deixar-se imolar tornando-se último momento o bode trágico. Agora são imortais na narrativa de seu feito.
A linguagem do corpo cênico vive dentro e fora do palco ilimitado pelo conceito que palco só é onde pisam os atores para a representação. Contudo apenas ali há necessariedades físicas diversas para que ocorra a sua ampliação máxima, o que quer dizer conseguir transmitir o volume real no espaço onde se encontra. Percebemos bem o volume quando vemos o corpo cênico tentando expandir-se, volume buscando sua grandeza em limites espaciais intransponíveis. Mas já não o vemos com clareza quando voa no espaço diluindo o volume pela velocidade. O corpo cênico não é um perfil de corpo mas o próprio corpo, desejamos para sermos atores no palco diversos daqueles que são heróis da tragédia no palco do grande teatro da vida, seguindo palavras de Calderón de La Barca. Com a grandeza de sua primeira natureza o corpo pode alcançar a 2a natureza da vida, a sua arte, arte às vezes colada à vida de tal forma como a alma ao corpo, como o cotidiano da sambista nas ruas e subida de morro, na avenida durante seu desempenho na Ópera Popular que é a apresentação da Escola de Samba. Entre a 1a natureza substantiva e a segunda adjetiva do corpo em cena a alma do estar sendo ator flutua e encarna.
O corpo cênico é a revelação do poeta em movimento.

O TEATRO ANTROPOMÁGICO (Joana Lopes)

Introdução
O século XX para o Teatro significa Refundação. Uma oposição à instituição teatral anterior que definiu como teatro um conceito de representação que excluiu o sentido mais amplo e profundo do teatro enquanto ato de criação artística. A refundação teatral traz para a cena social pesquisadores e diretores, atores e dramaturgos que através de suas obras abriram um caminho à cena onde a linguagem simbólica da arte encontrou espaço adequado para romper o modelo precedente e abriu um processo de ruptura sempre considerando o artista a figura principal.
A cultura teatral modifica-se radicalmente com a presença de Piscator, Meyerhold, Brecht, Jouvet, Rolland, Grotowsky, pensadores e artistas que paralelamente a Rudolf Von Laban, e colaboradores, no domínio da dança e do movimento expressivo permitiram o aparecimento da modernidade hoje representada pelo teatro de Bob Wilson, Pina Bauch, Maurice Béjart, Barba, como também atuaram à distância no espaço e no tempo para a manifestação do teatro brasileiro “refundado” a partir da experiência do Teatro de Arena de São Paulo.
Neste sentido a primeira questão abordada no nosso fazer artístico ocorre no nível de recuperar o sentido de jogo, característica fundante de nossa criação auto denominada Antropomágica. Por outro lado, e inevitavelmente, ocorre a necessidade de buscar uma interdisciplinaridade de linguagens artísticas como também construir uma informação que não se restringisse à cena teatral mas pertencesse à história, à antropologia cultural, à educação como campos prioritários de apoio. A linguagem artística da experiência passa a ser Teatro/Dança.
Assim posto realizamos um caminho próprio orientada pelos vértices principais do século XX em busca de uma síntese pessoal na criação artística,apontando para a importância da experiência histórica e transfiguração da realidade, obtida particularmente por cada artista.
As profundas mudanças ocorridas neste século, e as desorganizações criadoras de novos conceitos nas artes cênicas levam a um contínuo repensar as relações existentes entre teatro, dança, artes e sociedade, interdisciplinaridade de linguagens artísticas,(e estas com a ciência,) reflexão que transparece no eclodir da obra- chave, aquela que sintetiza ou preconiza o tempo, do artista, também transformações necessárias na pedagogia do ator-dançarino.ou seja presente no processo de fonação deste artista.No momento em que a realidade virtual no fazer artístico já não é mais um aceno longínquo mas a realização eletrônica da diluição aparente das fronteiras e da ausência do corpo vivo, reforço com este trabalho à crença na ARTE VIVA fundamento do que descreverei como TEATRO ANTROPOMÁGICO, de algum modo um discurso restaurador da magia teatral.
Apresento formas de agir, pensar e adestrar-se com o objetivo de também desconstruir mitos que rezam a “livre expressão”; improvisação do ator, algo intocável por propostas que possam vir do exterior e que pretendam desconstruir a expressão, ou melhor a LIVRE EXPRESSÃO CONDICIONADA POR ESTEREÓTIPOS.
Não admito apenas a subjetividade do ator-autor mas vendo-o como integrante de um domínio maior, onde estão incluídos outros personagens criadores do fato cênico, nos propomos a construir uma abordagem para a expressão dramática na dança, e TEATRO-MOVIMENTO-DANÇA que apontem para a expressão rítmica do ator. Teatro ou Dança?
Esta proposta relaciona dramaturgia e representação no espaço, criada pelo autor-ator-diretor-dramaturgo, um processo de laboratório e cena experimental, metodologia criada que passa ao largo dos conceitos que definem os artistas, rompe as funções tradicionais de cada um e os recompõem para uma nova parceria poética.
O projeto de pesquisa realizou-se por um longo período precedido pela minha teatrologia, e ensaios passagem clara, em alguns momentos, das linhas que viria aqui formalizar, incluindo a pesquisa sobre o sentido e estrutura do jogo dramático, cena para a infância, e textos para Teatro-Dança. Finalizando desenho um campo experimental em torno da peça de Bertolt Brecht “O Círculo de Giz Caucasiano” para construir a proposta da Palavra ao Movimento do Movimento à Palavra: O Espaço do Jogo Brasileiro na peça de Bertolt Brecht. Será através de um percurso questionando estas relações que chego ao texto O Círculo de Fogo que deve representar a dinâmica pendular entre palavra e movimento como instrumental da comunicação do ator-autor-diretor-dramaturgo. Apresento, ainda, a montagem de um método para o exercício do ator-dançarino baseado na “com-ciência” da expressão e fala dramática.
O MOVIMENTO DA PESQUISA

Minha aproximação como artista da pesquisa define alguns conceitos como ponto de partida. Em primeiro lugar esta pesquisa deve gerar fatos que pertencem ao domínio da criação, onde nem sempre a explicação está em primeiro lugar e deva ser evidenciada. Sendo artista intuo, crio e analiso sobre elementos do consciente e inconsciente materiais que determinam procedimentos, caminhos, por onde meus passos vão e podem voltar sobre si mesmos, às vezes sem nenhuma utilidade aparente. Corporificações que só a gestação do tempo recolocará no espaço exato ou lançada para trás depositada sobre pedras onde não germinarão.
O imaginário artístico ¾ este meu ¾ não seria um campo possível de pesquisa pois sua fluidez contraria a necessidade de solidez que carrega a própria palavra pesquisa: fugidio e imprevisível o imaginário do artista não necessita da relação formal de causa e efeito para construir uma trajetória inteligível, transmissível e teorizável. No entanto, a pesquisa que dialetiza, outra que no caos encontra o ponto da partida para novas organizações, está presente organicamente na obra que faz aquela impulsão entre um momento e outro. Ela é o eterno movimento. A explicação que se espera como conclusão virá no seu mistério próprio, a ser decifrada pelo outro. A obra de arte. A realidade que envolve o artista é vária e quanto a mim serve aquela que se transforma e é metáfora.Neste sentido, é possível dizer pequisa-artística,ou investigação do processo de criação artística.
Falo daquilo que é possível falar e se é assim pretendo que ao passar pelo filtro da linguagem verbal as várias passagens da pesquisa que se apresentam sintetizadas nos textos de movimentos-dramatúrgicos e pedagógicos sejam descritivas dos caminhos passo a passo. Esta pesquisa apresenta também um resultado pedagógico ¾ preparação do ator ¾ elemento, entre outros, com maior carga de utilidade e aplicação pois chegamos a métodos perceptivos e analíticos de movimento em função do fato cênico, que devem ser socializados.
Concluindo, o método de pesquisar através da própria criação foi para eu reler a realidade do corpo no espaço, construir e desconstruir o aprendido, relacionando isto e aquilo que determina o gesto, ele em si realidade metafórica.

VOCABULÁRIO

O vocabulário focaliza palavras e significados atribuídos ao longo da prática de aula e ateliês criativos. Certas palavras não se encontram em dicionários de dança ou de teatro porque foram cunhadas na prática referida.

ANTROPOMÁGICO - Um jogo mágico opõe-se ao jogo ilusionista. Este é pós- ilusionista. Capacidade humana de realizar um jogo dramático transformando elementos da realidade em outros igualmente concretos sem esconder-se atrás da ilusão. Capacidade humana de ser mais de um, mostrando esta capacidade ao criar uma outra realidade para quem presencia o ato de transformação. O homem mágico = ARTE. A palavra é autonomada e utilizada a partir da obra ALDEIA ANTROPOMÁGICA BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO 1973 - J. LOPES.

TEATRO/DANÇA - Dança como alternativa de linguagem incluída no mesmo ato de representação teatral; a dança não é considerada aqui como disciplina com códigos específicos de estilo e escolas mas expressão do movimento. Teatro considerado como espaço de onde se vê conteúdos que são movimentos e dança e palavras que expressam acontecimentos concretos. Exemplo: a dança de Pina Bausch/Alemanha; a dança de Suzanne Link/Alemanha. No Teatrodança o teatro qualifica a dança, no sentido de dar-lhe idéias e palavras audíveis ou não O conflito que é inerente ao ato dramatúrgico, desencadeador de acontecimentos, não necessariamente estará representado na cena do Teatrodança no contexto de uma narrativa porém gera uma movimentação identificada como extra cotidiano.

COREODRAMATURGIA - Relação de tempo e espaço no ato artístico de composição de uma peça de movimentos que por um lado pode ser identificada como drama e por outro como dança. Exemplo: as danças narrativas da Índia, do Brasil, do Japão e outras manifestações que independentemente de geografia demonstram as raízes do ato cênico, ato ritual, extra cotidiano que une dança e teatro numa relação indivisível sem preponderância da palavra sobre o movimento, e vice-versa.
A Coreodramaturgia diz que no espaço se desenham movimentos que se relacionam entre si para explicitar o conflito contido no espaço de quem o cria e de quem vê atos humanos conhecidos ou não. A palavra é autonomada, criada a partir do encontro, ou reencontro e identificação da dança de expressão dramática na cultura brasileira e posterior comparação com a dança oriental religiosa ou laica.
Passa a ser publicamente utilizada a partir de Encontro Internacional “L’OMBRA DEI MAESTRI” - LA DANZA CONTEMPORANEA E IL RITORNO ALLE RADICI. ABRIL de 1995 - UNIVERSIDADE DE BOLONHA - ITÁLIA.

JOGO DRAMÁTICO - Jogo de representação de fatos e personagens. Origem do Teatro. Linguagem em permanente complexificação de signos ao longo da vida humana, faz parte do esquema de comunicação simbólica da vida cotidiana - fenômeno antropológico. A conceituação de Jogo Dramático e sua evolução, enquanto linguagem expressiva, foi descrita em Pega Teatro, 1a edição do Centro de Teatro e Educação Popular 1982, 2a edição, Papirus Editora, São Paulo, 1989.

JOGO - Utilizamos a definição dada por J. Huizinga em Homo Ludens, 1938:
“Jogo é uma ação, ou uma ocupação voluntária desenvolvida em certos limites definidos de tempo e de espaço segundo uma regra voluntariamente assumida que será respeitada de maneira absoluta; que há um fim em si mesma acompanhada de um sentido de tensão e de alegria e da consciência de divergir-se da vida comum, ou eu ser diferente da vida comum. (Homo Ludens, Torino Einaudi, 1973 p.p. 34 e 55 ).

JOGO ARCAICO - Jogo antigo, presente em culturas diversas e em diversos continentes sem aparente ligação. A estrutura do jogo se conserva pela tradição, alterando-se apenas por região e tempo histórico os detalhes das regras, permanecendo sua essência.

ELEMENTOS DA COREODRAMATURGIA

1- O JOGO DRAMÁTICO - jogo de expressão individual em nível de linguagem espontânea e em nível de linguagem elaborada artisticamente.
2 - O JOGO ARCAICO - jogo de regras - universal - apropriado para a compreensão dos códigos comuns entre os seres humanos, aqui também considerado como linguagem em si mesma que permite a desmontagem de seus signos para reelaboração artística.

3 - ESFORÇOS DE MOVIMENTO - Codificação de Rudolf Laban para composição e análise do movimento expressivo: relações de espaço, tempo e peso e fluência.
Codificações pré-dramatúrgicas ou elementos para criação expressiva do corpo cênico.

4 - DANÇAS DRAMÁTICAS DO BRASIL - Encenação do Samba Enredo; Congos e Maracatus. Contribuição obtida em Mário de Andrade, Danças Dramáticas do Brasil, coletadas e analisadas pelo músico-poeta.

5 - EXPRESSÕES GESTUAIS - GESTO RELACIONAL AMPLIADO - GERA - Exercícios físicos-linguísticos de treinamento do dançarino-ator dirigidos à percepção da natureza do gesto dramático; paralelamente indica como construir o corpo cênico partindo das sensações de movimento pré-dramatúrgicos transformando-os em dramatúrgicos.
6 - ANÁLISE FÍSICA DOS VERBOS-CHAVES - Compreensão física dos verbos que dinamizam o texto corporal de dramaturgia, ou treino do conteúdo dinâmico.

7 - COREODRAMATURGIA - objeto poético - Peças, leituras visuais de imagens brasileiras; fragmentos históricos, dramaturgia do Círculo de Giz Caucasiano de Bertolt Brecht, peça escolhida para desencadear a pesquisa sobre a relação popular entre movimento e palavra utilizando os elementos revelados durante os trabalhos de criação experimental.