domingo, 7 de setembro de 2008

CENA FINAL: ELÍPSE

É necessário sentar só na platéia e refletir sobre meu trabalho teórico-prático-criativo, como artista docente quanto a relação do teatro em seu contexto de origem ¾ o jogo ¾ e a dança, desenho cinético: o desafio transformou-se de hipótese inicial, apoiada nos mestres, em particular forma de conceber o teatro: a cada um o seu, a cada espaço um novo teatro, a cada grupo e pessoa a corporificação do medo, do desejo, e a mágica vertigem de transformar o invisível: Antropomágico. No entanto, teatro e dança, em nível de arte contemporânea é apenas a presença de idéias que se sofisticaram sempre em direção e obsessão da “originalidade” ¾ no fazer do espetáculo.
O corpo é nascente de conhecimento e mesmo articulador deste. Não existe um igual ao outro, não existe então um resultado teatral ou coreográfico igual se tomamos a relação entre arte e homem como determinação. Ao contrário tudo será precisamente igual se apenas o produto é o ponto de partida e chegada. A uniformidade é possível, pois a tecnologia p.exp. em função da arte do corpo é corpo virtual, apontando o novo corpo idealizado, mas entretanto a desigualdade mostra a vida na sua imperfeição orgânica que se manifesta e reequilibrar para manter-se vivo, e toda arte que vier para deixar evidente este “natural” da condição humana supera os limites aparentes ¾ demonstra o que é ¾ torna-se também experiência vital do artista.
Durante estes anos de investigação quando chegamos aos limites da demonstração clara de “ser humano”, e rejeitamos a idealização da forma na sua cristalização estilística fosse qual fosse, moderna, expressiva, clássica, alguém esbravejava:
“Onde é que você quer chegar?” “Isto está muito confuso; por que não fixar resultados e reproduzi-los?” “Mas por que começar por um laboratório?” “Laboratório é processo longo e não dá em nada.” “Mas quem é que vai querer comprar isto (a linguagem não é exatamente esta)”. “O público não deve chegar muito perto”. “Onde estão as cortinas?”.
Outras informações como estas revelam a certeza de que a “inocência não foi perdida”, pois é necessário fazer de conta que só ela é bela.
Optamos por trabalhar sempre em contexto dramatúrgico e pré-dramatúrgico, portanto mesmo que não estivéssemos destinados a uma demonstração de resultado o fato cênico estava presente. Com esta abordagem negamos a dicotomia entre exercício técnico e criação, por outro lado abrimos um campo sem limites de problemas para a criação cênico-dramática e coreográfica, reforçando que o exercício técnico quando reflexo de estilo é limitador.
Transformar o lúdico “infantil” em lúdico teatral questionou a capacidade do ator de ser ator, disciplinado, organizado em grupo, capaz de admitir o teatro como arte coletiva e singular. Por outro lado questionou a criadora ¾ diretora ¾ no sentido de tê-la “reduzido” a uma figura que recriava o texto a partir do apresentado pelo ator e pelo dramaturgo inicial ¾ Brecht ¾ resultando em superposições de significados, ironia e alegoria cujo centro convergente é o próprio teatro, o ator, o diretor, o corpo, a cena. Atingimos um teatro ¾ O ANTROMÁGICO ¾ crítica ao próprio teatro, servindo-se dele esperando ultrapassar as medidas convencionais. Assim, esbarramos no espaço com outra questão: o que “produz” este teatro fundado nos vértices encontrados? O Gesto Relacional Ampliado e a Coreodramaturgia falarão do que? A minha questão, hoje, compreendendo melhor, não era reescrever Brecht mas entender a especificidade do fenômeno cênico, Teatro-Dança, tendo como meio a criação e não o estudo crítico-teórico. Minha Teatrografia demonstra a clareza, do que intuía o que hoje se concretiza com o “Círculo do Fogo”.
Através do objetivo inicial ¾ releitura de Brecht na descoberta do gesto-gestus ¾ negamos obediência a idéias e idéias que se ocultam sob as técnicas codificadas do teatro e outras do território da dança. Sem dúvida que a dança propicia em maior grau a permanência de técnicas codificadas, dado o seu caráter de organização cinética objetiva e o teatro de forma reduzida pois este se situa num campo comportamental ¾ sócio-cultural de matrizes abstratas. Porém, métodos teatrais podem alcançar negativamente um certo caráter de técnicas codificadas onde se enquadrariam determinadas vontades, ideologias, compromissos, desejo estético, e pensar político. Assim morreria a idéia de a cada espaço seu teatro e a cada ser humano uma representação nossa idéia central. A proposta possibilitou também uma reflexão e uma nova prática de preparo para o jogo a que chamamos de Gesto Relacional Ampliado que reexamina a preparação do ator e se distancia do estereótipo: de um lado a técnica e do outro a não técnica confundida com o deixa fazer “espontaneamente”, porque em “improvisação” não se toca.
O ato de obediência a instituição teatral é também questionada quando montamos este método e não se parece em nada aos tradicionais exercícios consagrados por várias escolas ( Stanslavsky, Meyerhold, Barba, Boal, Decroux) como também desconsidera a hierarquia de “começamos pelo aquecimento do ator dançarino, passamos pelos exercícios de preparação e finalmente chegamos ao texto dramatúrgico, após uma detida análise de mesa, método evolutivo de causa e efeito um dependendo do outro para existir do ponto de vista pedagógico. No entanto as experiências passadas influenciaram.
Nenhum de nós na vida cotidiana é uma sucessão de pequenos encaixes mecânicos, menos ainda os atores-dançarinos que devem mexer com a vida. Portanto o método montado terá um efeito orgânico diverso: o território é aquele do primitivo (primeiro) origem do teatro: o Jogo Arcáico / Jogo Dramático - Coreodramaturgia / Gesto Relacional Ampliado / COREODRAMA-TURGIA. Reorga-nizar a origem, liberando espaços interditados pela tradição européia a partir do Renascimento, que disciplina a dança - arte e faz do teatro o orgulho dos cultos. estes mesmos cultos que academicamente dizem que jogo dramático não é teatro porque não é Jogo cênico. Isto é o mesmo que dizer: crianças não fazem teatro, lavradores que criam e recriam o Bumba Meu Boi não fazem teatro, Maracatu não é teatro; Escola de Samba não faz teatro faz só desfile, e um sem fim de exemplos. Este discurso é legitimado por categorias que permitem analisar, classificar, enquadrar, rotular, vender mas que pervertem seu próprio sentido. Digo que pervertem o seu próprio sentido porque matam, anulam o fenômeno teatral reduzindo-o a conveniências inclusive de classe (demonstra a história deste trabalho) rejeitando a necessariedade humana.
No memorial de Berliner Ensemble organizado em função de resgatar o modo de processar o teatro de Bertold Brecht (Meldolesi e Olivi, 1989) lê-se: “Quando dirige parece que Brecht esquece ser o autor do texto. Não tem idéia pré construída e não utiliza de anotações, parece que não conhece o texto de memória. Frequentemente se tem a impressão que vê o texto pela primeira vez. De fato confunde os atos e a cada ensaio ri de uma idéia engraçada que venha de um ator ou de uma expressão arguta do texto. Se diverte ainda quando a mesma expressão é repetida. Às vezes se surpreende diante de certos acontecimentos do texto ou faz com que se explique os pontos pouco claros do texto”
Entendemos que Brecht se abria ao jogo como atitude mental e fazer artístico, aquela que permite desprezar as convenções estabelecidas, se em cena deva estar a realidade transfigurada, aquela que permite a critica pelo distanciamento.

res para o teatro que tem na teatralidade do homem a sua base, e origem. Nossa finalidade já manifestada em pega Teatro (Lopes, 1981) é fazer um teatro, baseado no jogo: dramaturgia, atuação, visualidade cênica, musicalidade, linguagem verbal, todos elementos construtivos da cena do jogo teatral.
Não desejavamos adaptar o teatro do nosso paradigma cultural, consequência da ocupação de outros povos, à necessária reteatralização que objetivo. Segui outros critérios e paradigmas culturais presentes também na minha cultura, não considerados teatro. O jogo não é só manifestação do espontâneo, auto - gerado, arcaica manifestação de todos, mas também algo que se aprende, aperfeiçoamos regras, utilizamos para experimentar nossa história remota, infinitas gamas de emoção necessária a felicidade momentânea e histórica. Assim é o teatro como jogo lugar de onde se vê. Não é difícil constatar a existência da associação de Jogo Dramático e Jogo Arcaico quando nos damos conta de que o teatro é feito do ator de dramatização (Duvignaud, 1966)(1) que não é motivado apenas do exterior, por exemplo através do texto dramatúrgico, mas é, como o jogo, um espaço onde o tempo e o contorno cotidiano rompidos fazem presente outra dimensão. Teatralidade e Jogo tornaram-se protagonistas ao longo da investigação, ambos redimensionados pelos processos da reteatralização, esta maneira vista por cada artista singularmente.


_______________________________
(1) Jean Duvignaud em Sociologia do Teatro, à pág. 11 da Introdução constata que “não é difícil encontrar formas de teatralização que poderíamos chamar de “espontâneas”: as danças através das quais os índios Zunis colocam em cena as Katchinas, repetindo deste modo a criação do mundo e da sociedade Pueblo; a celebração do Candomblé na Bahia ou o Vudu na América Central; as danças xamânicas na Sibéria ou as festas que acompanham a Kula nas ilhas do pacífico setentrional também são atos de dramatização; nelas se representam carnalmente os símbolos que representam a coerência da sociedade e a inamovibilidade de uma época que escapa a história”.
Em cena redimensionando o fenômeno da reteatralização segundo nossa criatividade e referência histórica ¾ remota e atual ¾ tivemos duas categorias do jogos ¾ Arcaico e Dramáticos permeados pelo linguajar dramático de ator-atuante, conduzido por ele e pelo diretor da cena. No jogo dramático de caráter espontâneo está presente o jogo arcaico ou a “inamovibilidade” de época que escapa a história e por outro lado a coerência social presente com seus símbolos. A fusão destas manifestações é chamada por mim de ANTROPOMÁGICA: o que e o como fazer teatro.
O jogo arcaico aqui tomado como conteúdo e também como forma a ser recriada pelo teatro -arte de uma pessoa, singularmente, tem regras e categorias: Ilinx, Alea, Minicry, Agon (Caillois, 1981). Contudo não serão apenas aqueles jogos considerado Mimicry - mimesis - que nos interessaram. Todos os outros foram na nossa obra conteúdos para elaborar o espaço - conflito, não apenas em nível de uma topologia espacial mas como transmissor da forma de conflito aqui tomado como primeira forma dramatúrgica ou aquela que é desencadeadora. Um jogo que traz em si Ilinx ¾ p. exp. os currupios ¾ é visto no jogo dramático, p. exp. no candomblé o girar das mães e filhas de santo. Assim, associamos as categorias mencionadas em função de algo que criamos: nosso jogo arte - dramático que é agonístico, mimético, imprevisível nos seus aspectos improvisacionais, e vertiginoso.

_______________________________
(2) “Após um exame das diversas possibilidades proporei para o objetivo uma subdivisão em quatro categorias principais segundo os papéis que neles ocupa a competição; sorte; simulacro; ou vertigem. Chamei-os respectivamente Agon, Alea, Mimicry Ilinx. Todas quatro pertencem inteiramente ao território do jogo: se joga futebol, basket (Agon), loteria, jogo de bicho (Alea) papéis de pirata ou Hamlet (Mimicry) nos divertimentos de giro ou queda, alterações orgânicas que levam até ao desmaio (Ilinx)? (T.A.).
O jogo dramático espontâneo estudado no segundo capítulo de Pega Teatro é apresentado como linguagem em evolução direcionada à comunicação, porém com particularidade dramática. (Lopes, 1981, págs. - 59 a 99)(3).
O mundo do imaginário e da cena imaginada é substituída, como relatamos, por um realismo cênico que tem como paradgma o modelo
cultural do teatro ocidental ¾ de palco platéia ¾ no momento em que o atuante sente que está falando teatralmente. Ele se comunica com prazer com as pessoas que vêm (teatro ¾ lugar de onde se vê e se é visto) através deste meio que de espontâneo e improvisado passa a ser exigido no limite da construção e da precisão semântica.
Observando a revelação do atuante ¾ ator existente no jogo dramático de linguagem evolutiva, verificamos a necessidade de interferir na medida em que a comunicação com o outro passasse a ser exigência do próprio ator atuante (sem limite de idade). Com quais instrumentos?
Mantendo progressivamente o núcleo básico de nossa antiga investigação reafirmamos que os caminhos e descaminhos desta investigação teatral destinam-se sempre a construção poética do artista ¾ eu e o outro. Não posso deixar de compreender que os processos utilizados são amplamente educativos enquanto criação de soluções do conhecimento e para o conhecimento.


_______________________________
(4) “No segundo capítulo de Pega Teatro ¾ Somos Todos Atuantes Alguns Serão Atores de Profissão ¾ citamos Carlos Drummond de Andrade porque: “A todo instante sinto que há vários senão muito outros em mim, se bem que nenhum deles seja o tal outro que costuma dizer coisas repetidas por outros. Também não ignoro que outros me acham o outro, que em qualquer lugar, situação ou momento sou sempre o outro dos outros”. N a sequência do capítulo enfatizamos em relação ao afirmado por Drummond, demonstramos nossa observação sobre o como, quando, onde, o que se dá no Jogo Dramático espontâneo, que “a decodificação das fases do jogo dramático tem ampliação na nossa forma de propô-lo porque partimos da realidade e das particularidades do processo de evolução criativa”.
Quando falamos do realismo (Lopes, Revista de Teatro, 1975)(4) estamos já anunciando que a partir desta etapa o espontâneo deve transmitir suas qualidades de jogo para um outro jogo que se construirá a partir do ator-autor, jogo mais complexo que será assistido e reconhecido como teatro.

Correlacionando as fases de evolução do linguajar dramático com as categorias descritas por Caillois encontramos na realidade a seguinte composição:
Na fase do Fundo de Quintal o espírito do jogo é dominado pela Mimicry ¾ mímesis ¾ mas será Agon que “empurra” a brincadeira dramatizada (encontra-se esta manifestação em crianças pré-escolares e em atores ainda com esquemas elementares de representação cênica).
Na outra fase que denominamos Faz de Conta continua sendo Mimicry o dominante, mas Alea (a sorte) “empurra” a ação, o personagem, as soluções cênicas: catástrofes, sustos, terrores, sorte ou não no jogo da vida. No Faz de Conta alto o fazer “teatrinho” já está presente e assim chega a vertigem (Ilinx) que não pode ser tomada apenas no nível da topologia do movimento como citamos o currupio, mas algo que altera o estado de consciência.
Continuando na sequência das fases de linguagem dramática manifestada através do jogo dramático espontâneo, o Realismo (não temos como estilo, mas como estrutura de comunicação simbólica) irá se relacionar com todas as categorias de Caillois, segundo a escolha do poeta interessado em dinâmicas

_______________________________
(4) “Agora a realidade e o teatro ¾ metamorfose ¾ dissociam-se, desdobram-se em duas possibilidades de manifestação das relações vitais. O jogo dramático tem em si mesmo a finalidade e a essa o atuante deve responder com sua criatividades. Teatro e vida social trabalham juntos, concorrendo um com o outro, numa espécie de rivalidade integradora favorável ao crescimento atuante que, com consciência de si e do meio de comunicação, gera sua liberdade de criação particularmente na linguagem dramática. O jogo representa os esforços do grupo para desenvolver uma linguagem entendível e assistível.”
diversas do movimento, conteúdos dinâmicos no espaço da cena ¾ ação dramática ¾ fato dramatúrgico.


O Gesto-Gestus
A preparação corporal do ator e do dançarino no sentido do ato dramatúrgico é através da expressão dramática: do ator para o texto. Neste sentido não consideramos uma preparação para o ator e outra para o dançarino ¾ ambos necessitam do gesto para dizer ¾ ambos devem ter consciência do movimento para utilizá-lo tanto no nível cinético como metacinético.
O que relaciona a preparação corporal do ator-dançarino e vice-versa é o gesto: movimento significativo, unidade semântica.
Preparação para o gesto é o que nos interessou independentemente da linguagem onde será usado.
A liberdade que objetivo não restringe o teatro ao gênero de literatura dramática mas fato cênico a partir do jogo do ator. Ela leva a desrespeitar a organização disciplinar acadêmica substituindo-a pela imaginação que leva a soluções antes não experimentadas: indisciplina do imaginário.
Finalizando com este modelo de ateliê para atores-dançarinos penso que ao longo deste trabalho foi possível perceber a necessidade de construir formas de agir para um novo teatro que a cada pessoa é um apesar de um núcleo comum. Neste sentido os modos de agir do diretor, pedagogo, aliam-se ao papel do ator na medida em que deve oferecer a este material de criação que o levem a interpretação dos acontecimentos em dois níveis: pré-dramatúrgico e dramatúrgico: Fato antes da cena: - Corpo na primeira natureza: a sua;
- Jogo Dramático: expressão espontânea;
- Jogo Arcaico: memória cultural lúdica.

Fato na cena: - Corpo em segunda natureza: o corpo cênico;
- Jogo Dramático: expressão artística construída;
- Jogo Arcaico: memória remota re elaborada.

Esta investigação foi concebida como proposta de prática artística no nível da dramaturgia. Os modos de agir independentemente da dramaturgia foram se revelando ao longo do caminho, fundindo-se com a própria proposição de construção do fato cênico ¾ dramaturgia. Assim, propusemos processos artísticos que não romperam com o princípio de reteatralização, mas que o valorizaram. Neste sentido realizamos um trabalho que ao ser artístico o foi também educacional embora não atenda à regras pedagógicas convencionais.
Vivemos o teatro que não foi mais do que teatro porque ainda não o era. E ¾ pensamos ¾fizemos aflorar suas raízes enterradas no solo de velhas convenções teatrais tanto na platéia como no palco rompendo o pré-estabelecido como a única verdade, aquela que afirma um só teatro, um estilo, um só ator, um só dramaturgo, uma só platéia um só espaço cênico.
Durante o processo de investigação-ensino fomos gratificados pela imensa alegria dos atores ao descobrirem que a improvisação não era o único instrumento de auto conhecimento de suas reações e espaços, mas que o jogo oferecia na quarta dimensão do imaginário a reconstrução, reconstrução corpórea e, redimensão teatral de um linguajar dramático.
Por outro lado, e como resultado dramatúrgico, o encontro da Coreodramaturgia instrumentalizou-me formalmente para escrever uma peça teatral que a partir de sua notação coreológica em parceria com a palavra fosse não apenas um produto artístico paralisado na autoria cênica mas possível de transmissão a outros diretores e atores.
A contribuição teatral desejada a partir daqui é aquela que permitirá ver no teatro modo de vida, desde que foi o teatro que discutimos no trajeto, e ao concluir o caminho, por hora, aprendemos que a sucessão de cenas que acontecem já não existe mais e é naturalmente verdadeiro o recomeço da cena.


O CORPO CÊNICO E A COREODRAMATURGIA: TEATRODANÇA

O corpo entra e sai de cena, como se vê pássaros no céu. Sempre existem, mas nem sempre são visíveis. Em cena o corpo é a morada de almas diferentes: no corpo de personagens dessemelhantes, fora de cena ele pode caminhar com uma entre elas. Num mesmo personagem, em cena, vários são os corpos necessários. A necessariedade do corpo em cena transforma o corpo simples em corpo cênico. O corpo não é mais um substantivo ele é algo que flutua entre ser substantivo e estar sendo adjetivo. Estar sendo é a convicção que o corpo cênico tem para não se deixar cristalizar por mais bela que possa ser a visão de um corpo único através do prisma do cristal. Somente a certeza do corpo carne-matéria em composição e decomposição permite ao ator transitar entre a vida e a morte em confronto com a perenidade dos cristais. O ator potencialmente somos todos nós, mas quem deseja estar sendo múltiplo, transexual, ladrão, imperador, santo, pálida figura, herói, anti-herói, pai de família ou dona de casa, professor, médico, cigarra e formiga..., lobo e cordeiro... Macbeth, Ofélia, Otelo, Antigona, Hamlet, Medéia, Édipo?... Quem deseja o corpo cênico?
O ator deseja o corpo cênico e a cena determina a sua necessariedade a começar pelo andar. Atravessar a cena na diagonal com um ponto de vista, esgotando-o ao limite da possibilidade estrutural do corpo é submetê-lo ao corpo cênico. Existe? Como existe? O ponto de vista é igual ao olhar de um espectador que observa na medida do deslocamento... o corpo cênico vai sendo transformado pelo ator e pelo seu espectador. Andar e olhar... olhar e andar extremos de uma linha tempo que é apenas um segmento do espaço.
O abandono do corpo cênico é a morte em cena, bela passagem que sós aqueles que falhando na avaliação de seus poderes mortais, tentaram romper o limite de sua própria finitude traindo os deuses ao morrer em cena de verdade para na memória serem guardados como deuses envoltos na nudez primeira do corpo. São corpos cênicos numa cena mais ampla, onde um altar foi construído desde o primeiro momento da chegada para deixar-se imolar tornando-se último momento o bode trágico. Agora são imortais na narrativa de seu feito.
A linguagem do corpo cênico vive dentro e fora do palco ilimitado pelo conceito que palco só é onde pisam os atores para a representação. Contudo apenas ali há necessariedades físicas diversas para que ocorra a sua ampliação máxima, o que quer dizer conseguir transmitir o volume real no espaço onde se encontra. Percebemos bem o volume quando vemos o corpo cênico tentando expandir-se, volume buscando sua grandeza em limites espaciais intransponíveis. Mas já não o vemos com clareza quando voa no espaço diluindo o volume pela velocidade. O corpo cênico não é um perfil de corpo mas o próprio corpo, desejamos para sermos atores no palco diversos daqueles que são heróis da tragédia no palco do grande teatro da vida, seguindo palavras de Calderón de La Barca. Com a grandeza de sua primeira natureza o corpo pode alcançar a 2a natureza da vida, a sua arte, arte às vezes colada à vida de tal forma como a alma ao corpo, como o cotidiano da sambista nas ruas e subida de morro, na avenida durante seu desempenho na Ópera Popular que é a apresentação da Escola de Samba. Entre a 1a natureza substantiva e a segunda adjetiva do corpo em cena a alma do estar sendo ator flutua e encarna.
O corpo cênico é a revelação do poeta em movimento.

Nenhum comentário: